THUNDERBOLTS* OLHAR PARA TRÁS PARA TENTAR SEGUIR EM FRENTE

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Thunderbolts* é, em essência, um filme de super-herois sobre sentimentos que muita gente evita nomear: inadequação, desesperança, auto aversão. Foto: Divulgação/Marvel
Por Vinícius Bastos
“A vida só pode ser entendida olhando para trás, mas deve ser vivida olhando para a frente”. A frase, dita em certo momento por uma personagem de Thunderbolts*, e atribuída ao filósofo Søren Kierkegaard, ecoa não apenas na trama do filme, mas também no coração do próprio Universo Marvel.
Depois de uma longa fase de produções apáticas, cheias de efeitos vistosos mas com pouca alma, o estúdio finalmente parece ter parado para refletir — sobre suas histórias, seus personagens e, acima de tudo, seu impacto emocional.
Logo na abertura, encontramos Yelena Belova (Florence Pugh) em uma espiral de cansaço emocional e distanciamento. Cumprindo missões no piloto automático, ela parece mais um símbolo da própria Marvel recente: habilidosa, mas desmotivada, tecnicamente funcional, mas vazia por dentro.
Sua crise de identidade, marcada por um desconforto silencioso com o que se tornou, dá o tom para um filme que tem mais momentos de drama psicológico do que os tradicionais festivais de luz e cor dos anos anteriores do estúdio.
Thunderbolts* é, em essência, um filme de super-herois sobre sentimentos que muita gente evita nomear: inadequação, desesperança, auto aversão. Aqui, os personagens não estão salvando o mundo por senso de dever ou vocação, mas porque não sabem mais o que fazer com a dor que carregam. E é exatamente essa abordagem mais crua, mais introspectiva, que sinaliza um possível (e bem-vindo) novo rumo para o MCU.
Ainda não é o retorno glorioso à fórmula infalível dos tempos de Vingadores: Guerra Infinita, mas é o primeiro o honesto em uma nova direção. Pela primeira vez em muito tempo, parece que estamos vendo um filme da Marvel que sabe exatamente o que quer dizer — e mais importante, sabe por que quer dizer.
Parte do mérito está, claro, no elenco. Desde o início, os personagens sempre foram o maior trunfo da Marvel — e mais do que isso, as dinâmicas entre grupos improváveis forçados a trabalhar juntos. Aqui, isso está mais vivo do que nunca. Florence Pugh, no centro da história, consegue a proeza de entregar uma performance humana, emotiva e cheia de nuances, mesmo sendo obrigada a falar com um sotaque russo caricato (que, felizmente, o filme também sabe usar com humor).
E se Pugh é o coração do filme, David Harbour é seu pulmão — o Guardião Vermelho dele continua sendo um excelente alívio cômico, mas, por trás do sotaque ridículo e das piadas auto depreciativas, há momentos de vulnerabilidade inesperada que funcionam melhor do que muita pose dramática em filmes anteriores da franquia. O restante do elenco também está bem entrosado, formando um time fragmentado, mas com química de sobra — e isso, mais do que qualquer cena de ação, é o que segura o filme de pé.
Visualmente, a mudança também é sentida. A paleta de cores é contida, quase melancólica, e pela primeira vez em anos isso não parece um acidente ou consequência de pressa na pós-produção — é escolha narrativa. O diretor de fotografia Andrew Droz Palermo (do belíssimo O Cavaleiro Verde) confere ao filme uma textura que quase te faz sentir o vento nos cabelos dos personagens e o peso da terra sob seus pés.
Não há telões de LED piscando, nem momentos em que se sente que o fundo foi colado às pressas com CGI de último minuto. Parece filmado em locações reais, com luz real, e isso faz toda a diferença.
Outro alívio: Thunderbolts* não tem cara de remendo. Nada ali parece ter sido colado às pressas porque um executivo não gostou de um corte-teste. O filme tem começo, meio e fim — e, mais raro ainda, tem um tema central que se mantém estável do primeiro ao último ato.
E mesmo quando chega o tão aguardado climax, com lutas, saltos e explosões (porque, claro, ainda é um filme de super-herois), Thunderbolts* evita os clichês fáceis. Não há raio azul subindo para o céu. Não há ameaça cósmica mal explicada querendo “redefinir tudo”.
Em vez disso, o foco está na jornada interna dos personagens — em suas escolhas, suas falhas, e no pequeno, mas significativo, ato de continuar lutando mesmo quando não se acredita mais no próprio valor.
Talvez Kierkegaard não tivesse em mente super-soldados, assassinos arrependidos e mercenários torturados quando escreveu sua famosa frase. Mas Thunderbolts* a transforma em algo real: um lembrete melancólico de que entender o que deu errado é parte essencial de tentar fazer algo certo de novo. E, com esse filme, a Marvel começa a olhar para trás — não com vergonha, mas com consciência. E talvez, só talvez, consiga finalmente reencontrar o caminho à frente.