ANDO DE FASE: AS ADAPTAÇÕES DE VIDEOGAMES QUE FINALMENTE ACERTARAM O COMBO

  • O momento é ideal para reconhecer que adaptações de jogos nunca estiveram tão em alta. Foto: Divulgação/Warner Bros.

Por Vinícius Bastos

Durante muito tempo, falar em adaptação de videogame pro cinema ou TV era como conjurar uma maldição. Para cada tentativa empolgante, vinham três decepções recheadas de diálogos ruins, enredos sem pé nem cabeça e aquele sentimento estranho de que ninguém envolvido realmente jogou o jogo. Mas de uns tempos pra cá os ventos mudaram — e parece que, finalmente, alguém encontrou o código secreto para transformar pixels em boas histórias.

Com o sucesso estrondoso do filme de Minecraft, que vem lotando salas de cinema nas últimas semanas, e com a nova temporada de The Last of Us estreando neste domingo (20) na HBO, o momento é ideal para reconhecer que adaptações de jogos nunca estiveram tão em alta. Principalmente quando a aposta é no formato seriado, que permite expandir universos e aprofundar personagens sem atropelar tudo em 90 minutos.

Abaixo, uma breve lista de algumas das adaptações que mais se destacaram — seja pela fidelidade, pela ousadia ou simplesmente por entenderem o que tornava o jogo tão viciante:

Street Fighter II: O Filme (1994) – Ninguém vai dizer que é Shakespeare, mas o filme animado é um clássico cult que capturou bem a essência dos lutadores e entregou pancadaria de respeito (com uma trilha sonora que marcou época).

Com uma animação de qualidade e uma trama que adapta bem os detalhes contidos nos games, o filme foi um sucesso de público e crítica tão grande que acabou gerando uma série de anime que igualmente marcou época, dirigida também por Gisaburô Sugii.

Silent Hill (2006) – É verdade que adaptar terror de videogame para o cinema é uma tarefa ingrata: o que assusta na jogabilidade (como aquele corredor escuro que você é obrigado a atravessar com uma lanterna falhando) nem sempre se traduz em tensão nas telas, quando o espectador é muito mais ivo. Mas Silent Hill foi uma das poucas exceções. O filme de Christophe Gans acerta na ambientação — as ruas cobertas de névoa, o som metálico que anuncia o outro lado, as criaturas grotescas.

A atmosfera, os cenários e aquele climão de pesadelo constante compensam pela distância da trama dos jogos. A história escorrega em alguns pontos, mas é difícil negar que o terror estético do jogo foi capturado com carinho. Longe de ser perfeito, a adaptação é fiel ao espírito dos jogos, que são menos sobre monstros e mais sobre o que os personagens carregam consigo.

Tomb Raider (2018) – Depois de duas adaptações com Angelina Jolie nos anos 2000 que abraçavam o exagero, a versão de 2018 tentou um caminho diferente: uma Lara Croft mais humana, mais jovem e, acima de tudo, mais ferida. Inspirado no reboot dos jogos lançados em 2013, o filme estrelado por Alicia Vikander exibe uma jornada de sobrevivência física e emocional, com uma protagonista que sangra, tropeça e duvida de si mesma.

A versão com Alicia Vikander pode não ter revolucionado o gênero, mas foi uma adaptação sólida e pé no chão. Faltou um pouco de brilho, mas foi um bom início. Uma pena que não fez o sucesso que merecia, o que torna uma sequência muito improvável.

Castlevania (Netflix) – Castlevania se aproveita da liberdade da animação para criar um mundo visualmente riquíssimo, com lutas épicas, criaturas grotescas e um estilo gótico que parece ter saído direto das páginas de uma HQ sombria dos anos 90. Mas o que realmente eleva a série é o trabalho nos personagens: Trevor Belmont é o herói relutante perfeito; Sypha traz inteligência e carisma em igual medida; e Alucard é melancolia pura com uma espada flutuante. Sem falar em Drácula — aqui, não só um vilão, mas uma alma dilacerada, cuja fúria nasce do luto, e não só da sede de sangue.

Violento, sombrio e surpreendentemente filosófico, a animação entendeu o que estava em jogo e entregou ação com diálogos afiados e um Drácula cheio de crises existenciais.

Fallout (Prime Video) – A série da Amazon pegou o universo dos jogos e conseguiu não só manter o espírito original, como dar profundidade ao cenário. Mostrando um mundo desolado pela guerra nuclear, de um ponto de vista crítico aos piores impulsos da humanidade e repleto de ironia, a série funciona exatamente por abraçar o espírito irreverente dos jogos.

Arcane (Netflix) – Visualmente, é de cair o queixo. A animação mistura 2D, 3D e um traço pintado à mão que transforma cada frame em uma obra de arte, literalmente. Mas o que realmente prende é o drama: a história de Vi e Jinx (irmãs separadas por uma tragédia e por lados opostos de uma guerra) é tão carregada de emoção, tensão e ambiguidade moral que seria digna de qualquer série de prestígio com atores de carne e osso. Baseado em League of Legends, mas sem exigir nenhuma familiaridade com o jogo, a animação é visualmente deslumbrante e emocionalmente devastadora.

Werewolves Within (2021) – Baseado em um jogo que quase ninguém sabia que existia (um game de dedução social no qual os jogadores tentam descobrir quem entre eles é um lobisomem), Werewolves Within tinha tudo para ser mais um daqueles filmes que surge e some sem causar nenhum impacto. Mas, para surpresa geral, o que saiu foi uma das adaptações mais inteligentes e divertidas dos últimos anos, funcionando como uma versão lobisomem de Entre Facas e Segredos. De todos as produções listadas, essa se destaca por exigir zero familiaridade com ao jogo em que é baseada.

Sonic the Hedgehog (2020, 2022 e 2024) – A história de como Sonic deu certo no cinema já merecia um filme próprio: tudo começou com um trailer desastroso, um design do ouriço azul que parecia saído de um pesadelo digital, e uma internet em fúria. Mas, num plot twist raro, o estúdio ouviu as críticas, refez o personagem — e, contra todas as expectativas, entregou um filme divertido, cheio de energia e com um Jim Carrey completamente à vontade como o vilão Robotnik.

No fundo, Sonic acerta porque entende seu próprio público: crianças, adultos nostálgicos e fãs do mascote que cresceram vendo desenhos animados nas manhãs de sábado.

Super Mario Bros. – O Filme (2023) – Depois do trauma coletivo causado pela versão live-action de 1993, a Nintendo resolveu que dessa vez iria fazer direito. Em 2023, Super Mario Bros. – O Filme chegou entregando exatamente o que os fãs queriam: uma adaptação visualmente deslumbrante, colorida e lotada de referências nostálgicas que fazem o coração dos fãs bater mais forte.

Super Mario Bros. não tenta ser profundo, nem quer ser. Ele sabe que é uma carta de amor animada ao maior ícone da história dos videogames. É o tipo de filme que não tem vergonha de ser bobo — e é justamente por isso que funciona tão bem.

The Last of Us (HBO) – Talvez a mais fiel de todas, não só em termos de visual, mas na emoção. A série, liderada por Craig Mazin (Chernobyl) e pelo próprio criador do jogo, Neil Druckmann, conseguiu o que parecia impossível: agradar tanto os fãs devotos quanto os espectadores de primeira viagem. E isso sem transformar a trama em um festival de tiroteios ou zumbis correndo a cada três minutos. O foco está em Joel e Ellie — dois sobreviventes quebrados tentando encontrar sentido (e, quem sabe, um ao outro) num mundo que já esqueceu o que é esperança.

O jogo já era praticamente uma série interativa, e a adaptação só confirmou que uma boa história sobre zumbis é, na verdade, uma boa história sobre pessoas. The Last of Us é uma série sobre o luto, sobrevivência e os limites do amor. Sobre o que estamos dispostos a fazer por quem amamos — e o que isso nos custa.

No fim das contas, parece que o segredo das boas adaptações não é copiar o jogo quadro a quadro, mas sim entender o que fazia aquele mundo especial — e respeitar o que os fãs sentem por ele. Quando roteiristas, diretores e estúdios decidem contar boas histórias, com personagens vivos e universos que fazem sentido por si só, o resultado vem. E se antes as adaptações de games eram sinônimo de fracasso, hoje elas estão se tornando território fértil para algumas das narrativas mais criativas e emocionantes da cultura pop. Se continuarem nesse ritmo, talvez a próxima grande revolução da ficção não venha dos livros ou dos quadrinhos — mas sim direto do controle.